Na Era da Informação, o aprendizado é data-driven
Aprender na era da informação tornou-se uma habilidade no mínimo desafiadora. Diferentemente de outros momentos da história, quando a quantidade de conhecimento a ser transferida era limitada e a aprendizagem respeitava programas educacionais pré-estabelecidos e seus agentes, agora, cada indivíduo pode moldar sua própria jornada de aprendizagem.
Estima-se que 80% da informação do mundo esteja digitalizada e disponível na web, em sua maioria na língua inglesa. Esse conhecimento disponível não possui mais uma linha sequencial para ser acessado, afinal a lógica de busca utilizada na Internet modificou totalmente os parâmetros existentes do aprendizado linear. Para complementar o processo de aquisição do saber, a cada navegação nesse ambiente hiperconectado é possível encontrar as mais diferentes visões sobre qualquer assunto, nas mais diferentes línguas, criados por inúmeros tipos de pessoas, das mais diversas partes do mundo.
A revolução da memória, efeito acentuado pelo fenômeno Big Data, registra tudo em bancos de dados que disponibilizam informações em tempo real, sem nunca se esquecer do que foi digitalizado. Para acessar esse conhecimento todo, basta ter acesso à internet e compreensão de alguma língua, então inicia-se uma jornada sem fim de aprendizado, sem nenhuma estrutura rígida, mas nem por isso menos eficiente. A área de tecnologia, na qual atualmente existem mais oportunidades de trabalho no mundo, já não exige mais certificados de conclusão de cursos lineares tradicionais, como as graduações. Para aprender a programar, você precisa ter acesso aos tutoriais, experimentar seu conhecimento através da codificação em ambientes colaborativos e, então, provar seu valor a partir do desenvolvimento de softwares. Se você fizer isso bem, pouco importará qual foi a sequência de aprendizado que você seguiu e muito menos quem foi o seu educador.
É natural que essa hiperinformação transborde no mundo e traga riscos ao processo de aprendizado, muitos dos quais já enfrentávamos na escola tradicional, como a qualidade do conteúdo, habilidades e credibilidade do educador, e também o fluxo de disponibilização dessa informação que pode não ser o mais adequado. São problemas antigos que, agora, recebem essa nova roupagem digital.
A democratização do acesso ao conhecimento não está relacionada somente a métodos de educação informatizados, o que geralmente se associa à ideia de “educação a distância”. Para nos concentrar em um exemplo: o isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19 obrigou os alunos a frequentar e interagir em aulas online (pelo menos aqueles que tinham acesso a equipamento adequado). Fala-se muito que essa situação afetou a interação social entre professores e alunos, mas interagir com um professor no contexto de ensino tradicional exige um trabalho presencial complexo, pois é uma ação que envolve certa desinibição, uma confiança para expor-se à avaliação externa e a habilidade do professor e do aluno em lidar com opiniões divergentes. Exemplos como esse demonstram que, mesmo no ensino presencial, podem ocorrer certos distanciamentos. Atualmente, existem maneiras eficientes de comunicação síncrona e online, seja por meio de um e-mail ou de uma mensagem instantânea, possibilitando a interação direta com aqueles que estão compartilhando os ensinamentos. Caso você não receba uma resposta rapidamente, ainda pode recorrer a outros especialistas no assunto, ou encontrar fóruns especializados que debatem continuamente qualquer tema, em diferentes línguas, praticamente em tempo real no ambiente digital. Uma sociedade em rede, onde o conhecimento segue fluxos descontrolados, com emissores livres para compartilharem qualquer contribuição, opinião ou crítica, cria um mecanismo descentralizado de aprendizado contínuo e onipresente.
A horizontalidade e os fluxos das redes desmonta a verticalidade do sistema clássico de aprendizado, permitindo que cada indivíduo possa buscar e combinar aquilo que tem mais relação com o seu projeto pessoal, não sendo mais necessário seguir uma pré-determinação daquilo que deve aprender.
Os quatro principais desafios do aprender na Era da Informação talvez sejam:
1. A curadoria dos dados e informações: coletar, verificar, qualificar e organizar os dados que irão construir a base do conhecimento é fundamental para uma jornada eficiente de aprendizado. Esse banco de dados irá compor toda a estrutura do saber do indivíduo, então as fake news, os produtores de conteúdos não confiáveis, as informações de má qualidade, podem corromper todo o fluxo do aprender. Atualmente, quando se busca um determinado conhecimento, é comum selecionar aqueles que compartilham sobre o tema e possuem maior audiência, sejam indivíduos ou canais, mas essa ação pode afetar negativamente o aprendizado, pois aquilo que tem grande reverberação nem sempre é confiável.
2. A preparação para interpretação e análise: a sociedade não foi preparada para aprender através de fluxos não lineares. Isso faz com que, geralmente, a fase de interpretação e análise seja realizada previamente por aquele que transfere o conhecimento. Por exemplo, em uma aula tradicional, o aluno recebe uma série de conteúdos que já foram previamente interpretados e analisados, a responsabilidade do indivíduo passa a ser assimilar e repetir aquilo “corretamente” em uma posterior avaliação. Já no fluxo do digital ele não encontrará essa tarefa necessariamente realizada — pelo menos não estará adequada à sua necessidade específica — então precisará desenvolver essa habilidade analítica para que o aprendizado ocorra de forma mais fluida e eficiente.
3. O suporte ao processo de descoberta e aprendizado: quando o indivíduo descobre algo e coloca-se ativo para aprender, um processo de validação do entendimento é fundamental para que o saber seja fixado adequadamente. Aqui não me refiro necessariamente às avaliações, e sim ao sentimento de aprender, aquela relação com o tema que permite um avanço seguro para uma próxima etapa. O suporte de agentes do conhecimento, validação do aprendizado e a direção no fluxo de descoberta ainda são recursos pouco desenvolvidos em ambientes de aprendizado aberto, como no caso da internet. Já é possível encontrar esses mecanismos em alguns sistemas de inteligência artificial com esse objetivo, como por exemplo o utilizado pela plataforma de educação de línguas Duolingo, mas os exemplos ainda são escassos e necessitam de muita evolução.
4. Cultura do navegar nos fluxos informação: talvez essa seja a mudança mais fundamental. Ao experimentar fluxos não tradicionais de aprendizado em ambientes interconectados e de hiperinformação, os indivíduos geralmente não sabem como reagir aos encontros não lineares. O aprendiz geralmente fica aguardando a transferência de conhecimento tradicional — conteúdo estruturado compartilhado por um para muitos — para então realizar sua jornada de aprendizado. Aprender orientado pelo fluxo da informação exige que o ponto de partida não seja a escola ou o professor, e sim a própria busca do aluno, algo que não fomos preparados técnica e emocionalmente para fazer, então o desconforto na jornada será algo necessário ser superado nessa transformação.
Essa nova camada de educação formada por fluxos, coleta, interpretação e análise de dados, cria um aprendizado data-driven (orientado por dados), onde a sequência do aprender ganha uma nova lógica, o agente deixa de ser necessariamente um educador e o guia passa a ser a própria informação. Com essas conexões ocorrendo através de ligações de hipertextos, a navegação pode levar para os mais diferentes lugares, em um fluxo que pode ser infinito, assim como de fato o conhecimento precisa ser. Esse processo orientado por dados é a reinvenção do saber, uma verdadeira reconfiguração cultural, onde a informação torna-se o principal ativo, libertando o fluxo para que o indivíduo percorra conexões não lineares e mantenha-se sempre na jornada do aprender.
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Artigo originalmente publicado na MIT Technology Review Brasil em 14 de dezembro 2021.