O mercado dos dados pessoais
Até agora, só quem tinha autorização para realizar operações de mercado com dados de usuários eram as empresas. Elas movimentam bilhões de dólares para adquirir dados, assim incrementando seus bancos de dados e consequentemente o valor dos seus negócios. Os modelos de monetização a partir dos dados de consumidores são movidos pela qualidade da informação: quanto mais qualificados e organizados estiverem, maior será o valor das empresas. Em 2012, o Facebook adquiriu o Instagram com 30 milhões de usuários por 1 bilhão de dólares, atualmente eles possuem cerca de 1 bilhão de usuários e estima-se que a empresa tenha um valor de mercado de 100 bilhões de dólares. O faturamento em mídia do Instagram em 2019 foi próximo aos 20 bilhões, receita diretamente relacionada ao valor dos dados dos seus usuários.
O comércio de dados pessoais na internet é uma prática comum e ocorre através da classificação dos registros armazenados. Por exemplo, dados de usuários que visitam sites de artigos de luxo costumam ser mais valiosos que as informações sobre aqueles que compram livros. Essa moeda circula o tempo todo em uma camada abaixo da interface que os usuários enxergam. Ali, os dados são vendidos a cada segundo. Em cada transação você se torna um produto, os dados tem seu valor financeiro avaliado e são comercializados, mas você não participa ativamente de nada disso, pelo menos não até esse momento. A partir de agora, sua participação será permitida, você poderá se envolver nas operações que envolvem seus dados pessoais, e mesmo lucrar com isso. As leis que estão surgindo no mundo todo com relação a privacidade dos usuários, não serão empecilho para essas transações ocorrerem. Na verdade, essas regras apenas elevam o valor dos dados armazenados, já que certificam a veracidade dessas informações.
É nesse sentido que foi pensada uma alteração no Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Européia (RGPD/UE) que está inspirando a criação de leis de privacidade ao redor do mundo – inclusive a brasileira, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Essas mudanças vão permitir que os indivíduos geradores desses dados também participem das transações financeiras. Em resumo, agora os usuário poderão participar ativamente desse novo setor da economia, inclusive lucrando com as vendas dos seus dados pessoais. Já surgem serviços de armazenamento de dados que prometem ajudar no enriquecimento e monetização dos seus dados. Em troca dessa gestão, tais serviços cobram uma comissão sobre as vendas e oferecem uma fatia desse dinheiro para você. Cada vez que seus dados forem comercializados na internet – para que uma empresa lhe mostre um anúncio, por exemplo – você poderá ser recompensado financeiramente por essa operação. Esses serviços de intermediação podem ser vistos como bancos de investimento: a partir da disponibilização dos seus dados pessoais, você poderá acompanhar a evolução das transações relacionadas e fazer retiradas financeiras quando achar conveniente. Os dados pessoais estão sempre oscilando de valor, variação que tem como principal fator os seus hábitos na internet.
O impacto da tecnologia da informação na vida das pessoas está iniciando uma nova economia, a Economia dos Dados. As empresas que antes eram avaliadas exclusivamente pelo seu potencial de faturamento passaram a ter seu valor definido pela quantidade e qualidade dos dados que armazenam, especialmente sobre consumidores e usuários. O efeito Big Data modificou a forma como o valor dos negócios é determinado: informações deixaram de ser registros esquecidos nos bancos de dados das empresas e estão sendo usados como moeda de troca em transações financeiras - isso ocorre na captação de capital através de fundos de investimento, por exemplo. Se você olhar para a lista das empresas mais valiosas do mundo, logo percebe que várias delas possuem como ativo principal essa moeda, os dados pessoais. A capitalização desses dados pelos próprios usuários é um movimento silencioso, que finalmente chega até os geradores da matéria-prima: nós. A regulamentação desse mercado vai despertar o interesse da sociedade nesses dados, afinal compreender sua dinâmica e administrá-los poderá se tornar fonte de renda adicional.
Ao olharmos para a história da sociedade, percebemos que a era industrial criou a economia do petróleo, totalmente baseada em uma das matérias-primas mais importantes da civilização moderna. Agora, na era da informação, os dados tornaram-se essa matéria-prima fundamental para o mundo dos negócios. Não é por acaso que os dados são rotulados como o novo petróleo, afinal, são muitas as possibilidades que se desdobram, e os usuários estão no centro dessa Economia dos Dados.
Dados tornaram-se uma valiosa moeda na era da informação. As empresas de tecnologia não vão querer abrir mão dos lucros relacionados ao seu uso, o que cria um cenário de queda de braço entre usuários que geram os dados e as empresas que os comercializam. Fato é que essas operações financeiras relacionadas aos dados pessoais podem gerar remuneração para os indivíduos e também monetizar negócios. Participar dessa Economia dos Dados tornou-se uma grande oportunidade: aqueles que melhor compreenderem o funcionamento desse ecossistema poderão se beneficiar desse novo mercado e até lucrar com isso.
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Artigo originalmente publicado na MIT Technology Review Brasil em 14 de outubro 2021.