Conectividade ininterrupta e hiperinformação
A era digital, marcada pela conectividade ininterrupta e pela superabundância de informações, trouxe novos desafios para a experiência individual contemporânea. A nomofobia e a infoxicação emergem como sintomas desse cenário, onde o indivíduo, aprisionado pela ansiedade de desconexão e sobrecarregado por um excesso de dados, encontra-se em um ciclo que simultaneamente o conecta e o imobiliza. Nesse contexto, a ascensão da inteligência artificial (IA) amplifica tanto os benefícios quanto os malefícios desse regime hiperinformado, tanto na sociedade quanto nas organizações. Surge então um Paradoxo da Conectividade Ininterrupta e Hiperinformação, em que a promessa de liberdade e expansão cognitiva é corroída pela manipulação, sobrecarga e distorção da realidade.
Entre o medo (nomofobia) e o excesso (infoxicação)
A nomofobia, o medo irracional de estar sem um smartphone, não é apenas uma questão psicológica individual, mas uma manifestação de alienação na sociedade contemporânea. O sujeito, como discute Byung-Chul Han, vive sob um regime de desempenho e transparência, onde a necessidade de estar constantemente conectado impede o descanso e a reflexão profunda. A ansiedade de estar desconectado, de perder uma notificação ou de não participar do fluxo contínuo de interações digitais, manifesta-se como um sofrimento psíquico que, paradoxalmente, mantém o indivíduo acorrentado ao dispositivo que supostamente o libertaria.
Paralelamente, a infoxicação — termo cunhado por Alfons Cornella em 1996 — surge como a consequência cognitiva direta dessa hiperconectividade. A superabundância de informações ultrapassa a capacidade do indivíduo de processá-las, levando-o a um estado de paralisia analítica. Nesse estado, a tomada de decisões torna-se dificultada pela análise excessiva de opções e dados, resultando em um bloqueio ou escolhas de má qualidade. A promessa de acesso ilimitado ao conhecimento, ao invés de expandir a mente, acaba por extenuá-la. A sobrecarga informacional representa uma forma de violência cognitiva, onde ocorre uma exaustão pela incapacidade de discernir o relevante do trivial, o verdadeiro do manipulado.
Esse ciclo cria um paradoxo existencial. Se, por um lado, o indivíduo teme a desconexão, por outro, é imobilizado pela avalanche de estímulos digitais. A consequência é a transformação de sua percepção, que gradualmente perde a capacidade de reflexão crítica, sendo substituída por uma reatividade imediata às informações. O smartphone torna-se, assim, uma prótese psíquica, regulando emoções e cognições, mas também gerando dependência, estresse e estagnação decisória.
Uma realidade dissimulada com a inteligência artificial
A introdução da inteligência artificial no contexto da conectividade ininterrupta e hiperinformação, longe de mitigar os problemas, intensifica-os. A IA é frequentemente apresentada como solução para a infoxicação, prometendo organizar, filtrar e simplificar a enxurrada de dados com a qual o indivíduo se depara diariamente. De fato, sistemas de IA são capazes de personalizar conteúdos, filtrando informações irrelevantes e destacando aquilo que supostamente merece atenção.
Entretanto, essa solução técnica esconde um novo perigo na sua ciência de dados: a manipulação algorítmica da realidade. Quando a IA decide o que é relevante, o indivíduo perde autonomia sobre sua própria narrativa, delegando a agentes invisíveis a escolha de quais informações serão vistas ou ignoradas. A manipulação da realidade, seja por meio de filtros algorítmicos ou pela criação de bolhas informacionais personalizadas, instaura um novo tipo de dominação, uma "violência invisível" que distorce a percepção do mundo.
A IA não apenas responde à sobrecarga informacional, mas participa ativamente da construção de um novo regime de verdade, onde o que é real ou verídico é frequentemente determinado por quem controla o algoritmo. A promessa de maior acesso ao conhecimento transforma-se em uma realidade na qual o controle sobre a informação é mediado por interesses comerciais ou políticos, amplificando o paradoxo da conectividade ininterrupta e hiperinformação. A realidade torna-se uma dissimulação, moldada por inteligências artificiais que decidem o que será visível e o que permanecerá oculto.
O gatilho emocional e as consequência cognitivas
A nomofobia atua como gatilho emocional, impulsionando o indivíduo a buscar conexão constante para aliviar a ansiedade de desconexão. A infoxicação emerge como consequência cognitiva, onde a sobrecarga de informações leva à paralisia analítica. Nesse ciclo vicioso, a hiperconectividade e a superabundância informacional reforçam-se mutuamente, criando um estado de permanente alerta e exaustão mental.
A IA intensifica esse ciclo ao se apresentar como remédio para a sobrecarga informacional, mas, na verdade, reforça a dependência tecnológica ao intermediar nossa relação com o conhecimento. Ao reduzir a massa de informações com as quais precisamos lidar, a IA também restringe nosso campo de visão, eliminando a diversidade cognitiva que poderia nutrir uma compreensão mais ampla e crítica do mundo.
A zona da Conectividade Ininterrupta e da Hiperinformação
Diante desse cenário, proponho um alerta para Zona da Conectividade Ininterrupta e Hiperinformação, onde o aumento da conectividade digital leva simultaneamente à perda de autonomia e ao empobrecimento cognitivo. Em vez de expandir horizontes, a hiperconectividade promove dependência emocional e cognitiva, fragmentando a percepção da realidade e debilitando a capacidade de ação e reflexão crítica.
De maneira imediata é possível perceber os efeitos dessa conectividade ininterrupta e hiperinformação em três diferentes cenários:
Para as organizações, essa teoria sugere que a adoção indiscriminada de tecnologias baseadas em IA pode limitar a capacidade crítica de seus colaboradores, criando uma cultura de superficialidade informacional e conformismo.
Na sociedade, isso pode levar à fragmentação do tecido social, onde bolhas informacionais reforçam a polarização e a desinformação.
Para os profissionais, especialmente aqueles que lidam com grandes volumes de dados, a conectividade ininterrupta e hiperinformação exige uma nova forma de alfabetização digital, centrada não apenas na eficiência informacional, mas na capacidade de discernimento crítico sobre as fontes e filtros de informação.
O risco de dominação pelo artificial
A combinação de nomofobia e infoxicação, intensificada pela inteligência artificial, configura um novo regime de dominação tecnológica. O controle sobre a realidade é mediado por sistemas artificiais e algoritmos opacos, que moldam nossas percepções e escolhas. O indivíduo, iludido pela promessa de acesso ilimitado ao conhecimento, encontra-se preso em um ciclo de dependência e desorientação.
Como podemos resistir a essa forma de dominação da inteligência artificial que se infiltra tanto em nossas mentes quanto em nossas emoções?
A resposta possivelmente se encontra na recuperação da autonomia cognitiva, onde o indivíduo, consciente da manipulação informacional, busca formas alternativas de interação com a realidade. Como sugere Byung-Chul Han em sua crítica ao capitalismo digital, é necessário resgatar o espaço do silêncio e da desconexão, não como uma fuga, mas como uma resistência ativa à sobrecarga cognitiva. É fundamental cultivar uma cultura da clareza e da simplicidade, onde a qualidade das informações supera a quantidade, e onde a autonomia na escolha das fontes e dados prevalece sobre a submissão aos algoritmos.
A Zona da Conectividade Ininterrupta e Hiperinformação revela a urgência de promover uma relação mais crítica e consciente da tecnologia e do artificial que nos cerca. Resgatar a autonomia cognitiva, resistir à manipulação informacional e valorizar o silêncio e a reflexão são passos essenciais para romper o ciclo vicioso da hiperconectividade. Somente assim poderemos reconstruir uma consciência do artificial, agravado pela conectividade e a informação, possibilitando uma navegação com discernimento no caos que permeia a sociedade e as organizações.
Referências
CORNELLA, Alfons. Infoxicación: Managing Information Overload. Infonomia, 1996. Disponível em: https://alfonscornella.com/2013/10/02/infoxicacion/. Acesso em: 9 set. 2024.
KAVIANI, Fareed; ROBARDS, Brady; YOUNG, Kristie L.; KOPPEL, Sjaan. Nomophobia: Is the Fear of Being without a Smartphone Associated with Problematic Use? International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 17, n. 17, 2020. DOI: 10.3390/ijerph17176024.
HAN, Byung-Chul. No Enxame: Perspectivas do Digital. Petrópolis: Editora Vozes, 2017.
HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: Neoliberalismo e Novas Técnicas de Poder. Lisboa: Relógio D'Água, 2017.
DÖRFLER, Viktor; ACKERMANN, Fran. Understanding "Analysis Paralysis": Theoretical Considerations and Empirical Findings. International Journal of Strategic Decision Sciences
FLORIDI, Luciano. The 4th Revolution: How the Infosphere is Reshaping Human Reality. Oxford: Oxford University Press, 2014.
HUI, Yuk. On the Existence of Digital Objects. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2016.