Interdependência humano-máquina

A interdependência humano-máquina nos transforma, não apenas em nossas ações, mas em nossa essência. Trabalho, identidade, poder, controle. A tecnologia modifica tudo de dentro para fora.

Nossa relação com as máquinas mudou. De manipuladores de ferramentas, tornamo-nos parte de sistemas complexos. Hoje, as máquinas são extensões de nós mesmos. Amanhã, talvez sejamos nós a extensão delas.

Nos tornamos agentes híbridos, ciborgues na essência, aproximando-nos do conceito de super-humanos. Mas o que significa ser humano no mundo da IA? Em certos aspectos, na era da IA, nos tornamos mais. E, ao mesmo tempo, menos.

Com a IA, ganhamos produtividade, mas perdemos a percepção do óbvio. Ressignificamos o código oculto. A ameaça de exclusão para os não-especialistas torna-se real. O que nos resta é uma proletarização cognitiva, como diria Stiegler. A IA amplia nosso alcance e nos reduz a consumidores de decisões artificiais.

A questão não é apenas “quem controla?”. É descobrir “o que ainda controlamos?”. Somos mais produtivos, mas estamos no comando? O poder da IA é invisível, silencioso e, muitas vezes, oculto. Ele molda nossas vidas, nossas escolhas, nossos desejos. Sentimos o impacto da IA, mesmo sem vê-lo ou ter a capacidade de medi-lo.

Queremos uma IA que nos enriqueça, mas também que nos entenda, e quem sabe, proteja. Não se trata de escolher entre humano ou máquina, mas de definir como nos relacionamos com a tecnologia. Precisamos de uma IA que respeite o humano. Que eleve, sem oprimir. Que apoie, sem dominar.

As competências mudam, a especialização se fragmenta ainda mais, e a criatividade e a crítica ganham valor. Quem somos no mundo das máquinas? Precisamos de mais que habilidades técnicas. Precisamos de uma humanidade crítica, de pensamento analítico e de uma coragem ética que não se rende ao fácil. Isso vai exigir o melhor do humano, ou até um humano melhor.

O futuro do trabalho não é a mera automatização. É uma contínua incorporação de extensões artificiais. É um jogo de flexibilidade, resiliência e senso de justiça. O mundo da IA pode ser fragmentado, exaustivo, e alienante. Ou pode se tornar um ambiente que respeite o ser humano. Tudo depende das escolhas que faremos a partir de agora.

O futuro é um convite a uma interdependência com a máquina que preserve nossa essência. Uma evolução que valorize nossa capacidade de pensar, sentir e decidir. A interdependência humano-máquina já redefine a trajetória do ser. É a ponte entre o que fomos e o que seremos. Uma ponte artificial, em que o orgânico se apoia. A tecnologia não vai parar de avançar, mas a pergunta que fica é se a humanidade vai crescer?

Lisboa, nov/2024.

Ricardo Cappra