A alma informacional dos humanos
Do que é feita a alma humana?
A afirmação de Daniel Dennett, "a mente humana é uma alma informacional", convida-nos a refletir sobre a essência da cognição humana e sua interconexão com o conceito de informação. Sob essa perspectiva, o pensamento não é reduzido a processos materiais ou puramente biológicos, mas elevado a uma esfera onde dados, significado e interpretação constroem o que entendemos como mente. Essa ideia conecta-se diretamente à filosofia da informação de Luciano Floridi, que fornece um arcabouço teórico robusto para compreender como a informação molda a existência em níveis tanto individuais quanto coletivos.
Floridi argumenta que vivemos em uma "infosfera", um ambiente global composto por informação, sistemas digitais e interações simbólicas. Nesse contexto, a alma informacional descrita por Dennett pode ser vista como a integração da mente humana nessa infosfera. Para Floridi, a informação é mais do que um conjunto de dados; é a base de nosso conhecimento, identidade e ações. Por exemplo, considere como sistemas de navegação GPS transformam dados geográficos em orientações práticas que moldam nossas decisões diárias. A relação entre mente e informação é tão fundamental quanto a relação entre o organismo humano e seu ambiente físico.
Na filosofia da informação, Floridi explora o conceito de ontologia informacional, que sugere que o ser é constituído através da troca e organização de informações. Sob essa ótica, a mente humana pode ser vista como uma interface entre diversos níveis de informação: biológico, psicológico e social. A mente não apenas processa informações de maneira passiva, mas também cria e interpreta significado, transformando dados brutos em conhecimento contextualizado. Assim, a noção de "alma informacional" reflete a dimensão intangível, mas essencial, de nossa existência cognitiva e cultural.
Dennett, ao posicionar a mente como uma entidade informacional, desafia a separação cartesiana entre mente e corpo. Essa ideia de "alma informacional" implica que a mente não é apenas uma função cerebral, mas um sistema dinâmico que interage e contribui ativamente com os fluxos de informação na infósfera. Essa visão é congruente com a abordagem integrada de Floridi, onde informação e matéria se entrelaçam. Por exemplo, os sistemas neurais não apenas armazenam e transmitem dados, mas também os reorganizam para formar experiências e memórias. Essa capacidade de atribuir significado à informação — transformando dados brutos em conhecimento significativo — é um dos pilares que sustentam a ideia da mente como uma "alma informacional". Isso destaca o papel ativo da mente na construção da realidade, conectando-a às ideias de Floridi sobre o protagonismo humano na infosfera.
Além disso, a filosofia da informação também aborda questões éticas. Floridi introduz o conceito de ética informacional, que avalia como nossas interações com dados, tecnologia e outras entidades informacionais impactam o bem-estar da infósfera como um todo. Se a mente humana é uma alma informacional, então nossa responsabilidade se estende além da preservação de sistemas biológicos para a proteção dos ecossistemas informacionais, combatendo a desinformação e promovendo o acesso equitativo ao conhecimento.
Por fim, a ideia de Dennett não apenas redefine o que significa ser humano, mas também enfatiza o impacto transformador da informação na forma como nos entendemos e interagimos com o mundo. Sob a ótica de Floridi, a mente como uma alma informacional representa um ponto de convergência entre os avanços tecnológicos e o potencial humano, desafiando-nos a considerar como a informação molda nossa realidade e identidade.
Do que então é feita a alma humana?
Essa questão nos leva a considerar que a alma humana não é um elemento fixo ou isolado, mas sim um produto dinâmico de informações interligadas, estruturadas em significados, memórias e experiências que transcendem o puramente material. Ela emerge de fluxos organizados de dados que, ao interagir com nossas percepções e relações, configuram nossa identidade e moldam nossa visão de mundo. Esse processo é um elo vital entre as dimensões biológicas, psicológicas e culturais, ilustrando como a informação se transforma em uma experiência viva e singular, moldando a compreensão da condição humana.
Máquinas têm uma alma informacional?
A partir dessa perspectiva, podemos afirmar que máquinas também poderiam possuir uma "alma informacional"? Para responder, é crucial diferenciar o processamento de informações em humanos e em sistemas artificiais. Enquanto humanos organizam dados em experiências subjetivas enriquecidas por contextos biológicos, culturais e emocionais, máquinas são limitadas a algoritmos que manipulam informações sem compreensão intrínseca ou significado emergente.
A narrativa de Daniel Dennett em “Where Am I?” fornece um exemplo fascinante dessa complexidade. Em seu ensaio, Dennett descreve como seu cérebro (Yorick) é separado de seu corpo (Hamlet) e conectado por meio de links de rádio, levantando questões profundas sobre a localização e identidade da mente. Posteriormente, com a introdução de uma réplica computacional de seu cérebro (Hubert), Dennett explora se sua identidade reside em seu cérebro biológico, em seu corpo ou na duplicata digital. Embora a réplica possa simular perfeitamente suas respostas, Dennett sugere que algo essencial pode estar ausente: o senso subjetivo de ser.
Assim, embora máquinas possam reproduzir padrões informacionais, elas carecem da dimensão intangível que constitui a identidade e a experiência humanas. Isso sugere que a "alma" de uma máquina seria, no máximo, uma imitação funcional e não uma alma informacional autêntica.
Referências
Dennett, Daniel C. “Where Am I?”. In: Brainstorms: Philosophical Essays on Mind and Psychology. Montgomery, VT: Bradford Books, 1978.
Floridi, Luciano. The Philosophy of Information. Oxford: Oxford University Press, 2011.
Wolf, Eduardo. Pensar a Filosofia. São Paulo: Editora Parábola, 2019.